terça-feira, 29 de dezembro de 2009

A via láctea e o inimigo meu


Todos temos inimigos. Os que fingem que não têm, são os que mais têm, ou temem admitir para não atrair maus augúrios. Sim, talvez nossos maiores inimigos sejam nós mesmos. Sem pieguice ou vigarice, a verdade é que nós, nossas convenções, cegueira, fome, sede, puerilidade, sonho, vontade, desejo, carência, adversidade, medo, egoísmo, paixão, cercam-nos de ideias ou imagens ou mitos sobre pessoas ou mundos ou sobre outras ideias de imagens e mitos que nos perdermos num diuturno apego e desesperança, no vão idílio de sermos aceitos, bem-vistos e, sobretudo, benquistos, amados, apreciados, ou pelo menos, lembrados. Fato é que nossas escolhas nos fazem e refazem, daí o porquê de nós sermos nossos inimigos. Não há sistema, nem o inferno é dos outros, nem o jardim deles é mais verde. O Woody Allen já vociferou em seu Crimes e Pecados que nós somos a conjunção de nossas escolhas. Então, não culpe os outros, como Sartre, ao dizer que o inferno são os outros. E somos nós nos outros, o olhar dos outros ao retornar para nós é o nosso vislumbre, nosso vesgo ser meditando e principiando ideações e delírios. Inimigos e amigos temos. Alguns mais, outros menos. E nossos maiores inimigos, já sabem. Bem que isso está parecendo auto-ajuda, a la Paulo Coelho, mas o que me fez escrever isso, foi um de meus inimigos íntimos, coisa que todos têm, reitero, e me fez cantarolar o trecho da canção a seguir. Boas noites... e olhai a via láctea.

A via láctea
(Renato Russo)

Quando tudo está perdido

Sempre existe um caminho
Quando tudo está perdido

Sempre existe uma luz

Mas não me diga isso

Hoje a tristeza não é passageira

Hoje fiquei com febre a tarde inteira

E quando chegar a noite

Cada estrela parecerá uma lágrima

Queria ser como os outros

E rir das desgraças da vida

Ou fingir estar sempre bem

Ver a leveza das coisas com humor

Mas não me diga isso

É só hoje e isso passa

Só me deixe aqui quieto

Isso passa

Amanhã é um outro dia não é

Eu nem sei por que me sinto assim

Vem de repente, um anjo triste perto de mim

E essa febre que não passa

E meu sorriso sem graça

Não me dê atenção

Mas obrigado por pensar em mim

Quando tudo está perdido

Sempre existe uma luz

Quando tudo está perdido

Sempre existe um caminho

Quando tudo está perdido

Eu me sinto tão sozinho

Quando tudo está perdido

Não quero mais ser quem eu sou

Mas não me diga isso

Não me dê atenção

E obrigado por pensar em mim

Mas não me diga isso

Não me dê atenção

E obrigado por pensar em mim

Drummond e o doidivana


Quando mandei uma mensagem a um amigo, citando drummond, prontamente, ele me remeteu a singela e simplória resposta telegráfica: "blog". Como que se latisse, a mensagem, não meu amigo, vez que ele nada tem que ver com os canídeos, mas com os suínos. Ele entenderá. Roinc... enfim, após sua resposta, ative-me ao pseudo-desespero de ter que divulgar ideias, sonhos e autocomiserações, mas antes disso, pensava, deitado a esperar a siesta passar no poema do maior bardo do país, para mim, um doidivana metido a poeta, contista e imoralista, de quando em vez. O fato é que pensava nesse poema específico do Drummond e deixo-lhe em vossa companhia.

Soneto da perdida esperança

Perdi o bonde e a esperança.
Volto pálido para casa.
A rua é inútil e nenhum auto
passaria sobre meu corpo.

Vou subir a ladeira lenta
em que os caminhos se fundem.
Todos eles conduzem ao
princípio do drama e da flora.

Não sei se estou sofrendo
ou se é alguém que se diverte
por que não? na noite escassa

com um insolúvel flautim.
Entretanto há muito tempo
nós gritamos: sim! ao eterno.

Paris e o fim do mundo, ou o começo do meu


Conheci Paris em 2005, digo, passei uma semana em Paris, porque para conhecer La cité des lumiéres, é improvável, impossível e básico demais uma semana. Quiçá, quando a correria é grande. Conhecer outras capitais naquela ocasião, além de me deixar exausto, deixaram-me nauseado, sofrido, insatisfeito. Sem delongas, refiz o trajeto Fortaleza-Lisboa-Orly-Paris ano passado, quando tive o privilégio de descortinar mitos e lugares, e claro, passar o tal reveillon (étimo originariamente francês) nos Champs-Elysées. Confesso que fiquei algo decepcionado, haja vista meu currículo parco, mas contingencial de outros reveillons em outras plagas. Bem, Paris é uma cidade do mundo, talvez uma das mais cosmopolitas, apesar da xenofobia debaixo do tapete, é a capital da moda, dos museus, dos cafés, dos boulevards, dos parques, dos eternos amores, das alegorias infindas do romantismo, do realismo, do gótico, das luzes e do cinza de seu céu que não finda em nossos olhos, mesmo fechados ou etilizados. Por proibição de órgãos de segurança do governo, fora proibido o ribombar de fogos ou quaisquer outras pirotecnias; entenda-se segurança internacional e risco de ataques terroristas. Porque num grande evento como esse, para Al Qaeda ou congêneres, bombardear la Tour Eiffel, o Arco do Triunfo, para citar apenas os pontos mais visitados, e onde "festas" foram promovidas, seria um luxo (eles não sabem o que é isso), seria um caminho fácil para transar as uris. Não sou afeito a shows pirotécnicos, bombas e essas piromanias todas, tenho minhas razões psíquicas e outras sociológicas, mas adoro as luzes. Demorei anos para distinguir o som de uma bomba de um estampido de uma arma de fogo. Enfim, o fim do mundo propalado pelo islã e seus asseclas, além de outros niilistas apregoadores do terror, me fizeram ver um reveillon, depois de anos, sem fogos - fato interessante -, animado, sem bandas de axé e outras firulas, sem paredões de som ou pagoderias. O fato é que tive um reveillon desejado, cheio de luzes, com árvores nêonicas brilhando de ponta a ponta da avenida mais famosa do mundo. Árabes existiam, desfilavam chineses, japoneses, coreanos (não sei ainda destacar a diferença, ao primeiro olhar, entre eles, e você?), italianos, protugueses, africanos (muitos, o elefante branco do governo de sarkozy e dos próximos) e claro, os peraltas e sambistas e afoguetados brasileiros. Lembro de uma horda marcando a feijoada do dia seguinte, enquanto eu me apertava em meio ao mundo todo ao meu lado, e na época, minha amada, ao sabor de um bom champagne (estava podendo). Sim, já disse, Paris é a cidade dos amores. Mas essa é outra história. Para encurtar, escrevo sobre isso, pois estamos na época de novos ribombares e shows pirotécnicos. Tia Lu promete shows sub-aquáticos na Praia de Iracema. Sorte nossa e de nosso dinheirinho. Outra história também. E meu mundo começa, ou meu regresso ao mundo internauta, com essa reminiscência; e como todo ano, ou dia, a gente deseja algo novo ou pelo menos pede aos búzios, cartas, agiotas e deuses, algo de novo, resolvi retomar aqui história e estórias, desejando a todos que aqui aparecerem, e os que não aparecerem, que se li..., digo, que se reinventem também, e tenham um ano maior, melhor e mais bem pago. Afinal, quero voltar às "Oropa" ano que vem, e sei que alguns que conhecem, almejam lá regressar, ou pelo menos conhecer. Abraços fortalezenses com sabor de queijo coalho. O camembert tá caro...

Dos versos não lidos


Milhares de gavetas abarrotadas de ideias e traças por aí. Não em vão as minhas seguem assim. Uma verdadeira jângal de criaturas, seres, impropérios, mundos, gritos, insônia, lampejos, risos e agonia. Não à toa, criam-se blogs numa tentativa de manter-se lido, conhecido, e quem sabe, reconhecido. Santa tartufice. Os velhos tempos, donde as calhas rodas pessoanas não voltam, tinham seus pastiches, pasquins e folhetins, ou até folha ou gazeta do colégio. Tempos outros, desvarios eternos. Seguirão aqui, sem pretensão nenhuma da Academia ou do Pulitzer, tampouco o Nobel - existem ghost writers melhores para isso - , então, como dizia, seguirão aqui versos, gritos, desmandos, despachos, contos, crônicas, relatos de viagem, críticas de filme, livro, resenhas e outras tessituras rocambolescas. Que niilismo é esse, meu filho? Pai, perdoa, ele sabe o que faz. Enfim... O primogênito que não o é no mundo das gavetas.

SEDE

Dá-me um litro de poesia

Dá-me uma litania

Espasmos de epifania

Que palavras

Quantas palavras são precisas

Para se caber em um litro de poesia

Em algum quando sem como

Um litro apenas

Um quilo deve ser muito

Um litro é líquido pesado

Como o vinho que evola

Que esquece a uva e o campo

Como a estampa que esquece

O algodoeiro ressequido

Na caatinga

Como a castanha em latinha

Desdenha o caju morto

Em bagaços

Em compotas

Mal-comportadas

E mal-distribuídas

Ah, tudo isso não vale um litro sequer

Um litro pelo amor de Baco ou do bêbado

Da esquina

Que morre por isso mesmo

Sem poesia que o ampare

Ou lhe mate a sede