segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Encruzilhada


Calma, isto não é um despacho, nem nunca há de ser. Não sou afeito nem feito para isso, apesar dos desafetos... Amigos, todos estamos passando por encruzilhadas e tomadas decisões. Só querer cruzar, não pedimos lá estar. Várias, múltiplas, sempre, lá, no meio, com ou sem pedras, dentre ou pelos espinhos. E o Eric Clapton, que ainda mais me encantou e cativou com sua autobiografia pungente e estonteante (recomendo! lê-se em uma tarde despreocupada), me traz sempre, para apaziguar a sedação da rotina ou apascentar os prados de meus rebanhos em desalinho na estampa da vida, a versão, que eu, mero apreciador (qual, qual, quem sou eu) de sua música e de sua vigorosa versão do blues de Robert Johnson (1911-1938, nesta canção de 1936), ouço e treslouco arrepiado, simplesmente porque, quando o Eric, no Cream (um dos primeiros power trios da história da música contemporânea), reinventou esta música, ele sabia o que estava fazendo, e eu, este ou aquele ali, ainda não sei -sabe- real ou totalmente, tanto que apelo a Crossroads para me ajudar...
(Créditos da foto: Paris ao crepúsculo, Place de la Concorde, dezembro de 2008)

CROSSROADS
by Robert Johnson

I went down to the crossroads, fell down on my knees.
I went down to the crossroads, fell down on my knees.
Asked the Lord above for mercy, "Save me if you please."

I went down to the crossroads, tried to flag a ride.
I went down to the crossroads, tried to flag a ride.
Nobody seemed to know me, everybody passed me by.

I'm going down to Rosedale, take my rider by my side.
I'm going down to Rosedale, take my rider by my side.
You can still barrelhouse, baby, on the riverside.

You can run, you can run, tell my friend-boy Willie Brown.
You can run, you can run, tell my friend-boy Willie Brown.
And I'm standing at the crossroads, believe I'm sinking down.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O COMEÇO DOS TEMPOS DO SEM FIM










Em algum lugar ela deve domar meus mundos caleidoscópios na ampulheta em penúria. Não, em algum lugar ela deve vestir-se de mim em imponderáveis detalhes que eu mesmo esqueço. De algum lugar ela virá sem meios termos ou meias-vidas. Não. Ela deve lembrar de alguma coisa em mim que falamos sem delongas, perdida e transida no silêncio e nas tranças de seus cabelos úmidos, deixará eu repousar e dirá que possamos nos esquecer. Não, não, em algum lugar perdido e sem mapa dessa cidade louca, ela deve escrever coisas e rotas para que eu siga a fim de me encontrar em meu deserto. Não, ela se lembra de mim no espelho enquanto tomo banho e retiro de seu corpo alguma suave memória dos dias que teremos. Ela sorri e assim vagamos em meio aos seus lancinantes sorrisos. Ela devora meus textos da gaveta e pede para escrevê-los. Quer viajar. E viaja em mim. Só assim somos um e, dela, perco-me na tentativa de ser. De ser um objeto sem averiguação. Ela pede para viajar. Não, amor, não tenho passaporte, nem tostão nenhum que lhe compre a alegria ou as fugas. Ela me pede perdão por eu ser tão assim, assim, levemente, sugando meus gestos em olhares dispersos. No quadro, ela respira nossa existência e me dá uma trégua em meu mundo, quando levito amparado pelo seu. Ela gravita e engravida. Seus sonhos são tão amplos e esquisitos, que caibo neles. Prepara o jantar, toma uma ducha fria. Toma a mão suja de meios, sem anseios e ternura. Apenas toma a mão e a leva em seu patético desejo de se transformar em coisa que eu permita desejar. Ela diz que se apaixona por falta de ternura calculada. Ela me pede mais um pouco de maus-tratos e rimos dessa piada, sadicamente. Os dentes me mordem do céu sem boca ao estômago sem vulcões. Ela, perdida na cidade de meus encantos idílicos e me encontra em uma idiossincrasia que soletra à meia-noite. Ah, você sabe escrever, então, leia-me. Não, não, assim, ela me poupa de ser mais um e silente me destrincha e me revolve ao ser humano metido a ser humano que não se mete a nada, e me mata de feliz concórdia por saber demais e entender. Toca meus cabelos. Toca meus ombros e levanta o mundo que não mais se sustenta em palavras ou pilhas de máscaras. Então, aí, dentro, no grito, na saliva, na gota de suor deslizando, ela me atrai e resolve seguir seu destino. Tomamos o vinho, ela sorri me embriagando. A trança se desfez e milhões de cores e trajetos se acendem. Diante dos cacos e rompidos exércitos sem nenhuma ordem me evita. E sei que ela me salva, e ela me salvará, já que realmente não posso fazê-lo. Ouça a cantiga, a dissonância, as horas passando, os olhos cerrando sem premência do acordar. E dormimos juntos como ostras na praia, e como pérola, resolvo ter algum valor para sua análise desmedida e descompromissada. Ela sabe. Ela resiste. Ela levita e gravita, grávida de todo o entendimento. Ela se fecha, e nas ostras reproduzimos nossa fome de ser gente. Para que, ela pergunta abrindo bocas, volumes e montes. Subimos, subimos, desaparecemos, resvalando. Vamos viajar, implora, grunhindo. Ela pede mais uma vez, e suas lágrimas são as mesmas que um dia quis derramar. Não, ela pede que eu enxugue meu corpo e que vamos nos mudar. Seu inquilino sorrateiro e pela metade, ela me suga. Hoje, acordei de sonhos atrevidos e minha insanidade não me dá conta. Corre, corremos, sem correias ou urgências, apenas espasmos agudos e sem brandir bandeiras, lemas ou interesses contratuais. Há quanto tempo, em quantos detalhes, em quantas insônias, ressacas e sedes estamos aqui. E sumimos um do outro para nos querermos, desejarmos, sumirmos de novo e em vão nos gritamos ante o mundo que nos ignora. Mais a mim que a ela, que dá sentido a tudo. Entre o abissal desencontro e metas inatingíveis, me dá asas e socorre quando do salto em precipícios bem elaborados. Sucumbindo vamos derretendo dentro dos corpos. Mastigo-a com gana, coma avidez, como a última e prima coisa. E ela renasce com braços, pernas, ancas, olhos, boca, fios de cabelos esquecidos pelo chão que se expande. Ontem, não acordaríamos cedo mesmo, amor, então, vamos viajar. Ela pede, não, ela roga aos meus deuses. Há mais anjos caídos em mim do que imagina. Eu sei, por isso vim te exorcizar de mim. Seremos o original pecado, a lei. Um novo mundo redescoberto e nunca escondido entre transações e desvario. Teu mundo, meu mundo. Vamos viajar, amor, dê-me a mão. Teu passaporte, meu corpo, nosso corpo, nossa fusão, nossa volátil esperança de milionésimos de segundos e amparados pelo vento dos anos-luz que nos imploram por um retorno não-eterno. Vem, amor, dissipa, destrói, inventa, nasce em mim. Grávidos e gestando sem mais nenhuma dúvida, fugimos da cidade, do início, do fim, dos meios e dos sentidos. Em algum lugar, ela me reitera de que tudo isso não passa de mais coisas para serem metidas em gavetas, espúrias criaturas de um bizarro mundo quadrado. Circulamos, desabamos, num big bang explodindo entre dínamos, sem força, sem fogo, sem água, sem metafísica. Só aqui, bem aqui, aqui mesmo, nesse mesmo lugar, onde ela me deixa e me vem, onde o pacto se refaz. Aqui, onde ela me escreve em algum lugar onde ela possa repousar e dizer somente que tudo descerá novamente pela ampulheta. Como grão voltando e intempestivamente ecoando desertos juntos, mãos e não mais palavras. Como era aqui antes de mim, ela indaga sem me exibir vozes. Apenas eu, respondo com sua boca e dormimos o sono de seus olhos. Letra por letra vai se repetindo, reconstruindo, dizendo, sendo. Ela, diz. Tu, digo. Em algum lugar, nós fazemos a vitória e a história do mundo apenas habitado por nós. Em algum lugar.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

De monstros e abismos






















Quem combate monstruosidades deve cuidar para que não se torne um monstro. E se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você.
(Nietzsche, aforismo 146, Além do Bem e do Mal).

As atrocidades, atitudes e mentes corruptas, a barbárie assassina, drogas lícitas e ilícitas no (i)lícito prazer de sermos outros, a vingança tosca policialesca, a abissal distância que nos separa, a falta de senso, de escrúpulos, o excesso de hipocrisia, politicagem, caixas 2, a nossa história de piratas e preguiçosos pensantes, de dissonantes elitistas e bigodudos barrigudos coronéis, nossas mãos atadas e cegas como a justiça, que é cega por interesse, o câncer social, o abismo em que deixamos ou rogamos nossa vontade, desejo, sentido, busca, sonho, idealismo, mistério. E o espelho nos devolve um cotidiano farsesco, de cujas impressões colhemos dores, desatino e desvario. E é isso ainda um homem, como gritaria Primo Levi, das sombras de Auschwitz? Ou o homem, este homem que matou deus, é morto, anda morto, vive morto, como vociferaram Nietzsche e Foucault? Onde iremos nesse modos operandi? Que queremos com nosso discurso de paz, que engendra visões mínimas sobre uma verdade máxima e condescendente, paixonite cristã, cegueira anti-filosófica? A arte, meus amigos, a loucura, a pílula do esquecimento, a ruína, o isolamento ainda maior? ONGs, mais interesses, ondas de mais casuísmos e fisiologismos patéticos? A crucificação midiática, o reino surrealista maniqueísta das políticas e das polícias? As éticas modorrentas e malcheirosas, exalando mais morte, mais culpa e nunca o entendimento? Há ainda um mundo como fala o sr. Bizarro, inimigo do Super-homem, o seu alter-ego tosco, mal-encaixado, que não sabe falar nem ser direito, mas sentir? Um mundo quadrado, onde encontraremos lar e fuga, fogo e aceitação, afeto e compreensão. O mundo quadrado. Ou esse mundo é esse com nosso sadismo de inventar outros aléns? O sonho pueril e iconoclasta ante o Horror, o horror, o horror. Amen, eli, laba sabbactâni. Nós sabemos o que fazemos, sim, nós podemos...

sábado, 9 de janeiro de 2010

FICÇÃO DÁ VIDA REAL (conto)

Eu não quero ler, Tatiana. Escreve aí que eu não quero ler.

Ele não quer ler.

Tatiana, minha flor, não é ele, sou eu, escreva. Ele, que sou eu, não quer ler.

Ahn?

Não entendeu?

Ah, sim. Ele, digo, eu, pede para dizer que não quer ler.

Está tudo errado, errado, Tatiana, minha filha. Como você conseguiu se formar?

Ora, eu...

Ora, nada, orar demais dar cãibra. Veja o caso da sua mãe.

Veja lá como fala da minha santa mãe.

Tudo bem, desculpe, não quis te ofender, mas escreva do jeito que estou dizendo: eu não quero ler.

Ela digita: eu - ele - não quero ler. E clica em ‘enviar mensagem’.

Deixe-me ver, como assim, ele, Tatiana, esse ele sou eu. Quer dizer, é pra pessoa que está lendo a mensagem saber que sou eu que estou escrevendo. Você estraga tudo. Vamos, não chore, agora. Tatiana, pára, que escândalo. Isso é bobagem meu amor, pára já com isso. Deixa isso pra lá, desliga esse computador que estou cansado. Não vou mais responder mensagem de seu ninguém, muito menos daquele pretensioso do Alencar que acha que escreve só porque tem um sobrenome bonito e passa o dia escrevendo e digitando. Esse nome nem é dele, é falso. E digo mais, não vou mais assinar a resenha que prometi, muito menos o prefácio daquela porcaria. Que ele se vire com o pessoal da editora.

Alencar encontra-se com Tatiana, que tenta lhe confessar o teor da conversa acima, dela com o marido, jornalista, resenhista e ghost writer nas horas vagas. Alencar fuma um charuto e esconde a barriga com o travesseiro. Olha para os lábios avermelhados de batom de Tatiana, que se olha no espelho à procura de fiapos desgrenhados de sobrancelha para puxar com a pinça.

Sou louca por ti, Alencar, mas não dá, eu vou ter que ficar com ele ainda por alguns meses.

Quando, quero um quando?

Não sei.

Escuto a tua historinha há quase dois anos. Nada de quando, de data, de nada. Antes quando você queria casar, vir morar aqui, eu dizia: calma deixa tudo acalmar, deixa o meu divórcio sair, deixa a maré baixar que as coisas se ajeitam e você vem ficar comigo. Pra sempre, lembra?

Hum-hum.

Isso quer dizer sim ou não?

Sim, eu lembro.

Tatiana veste-se, põe as lentes de contato, sobe o zíper da saia e apalpa a barriga.

Já vou.

Como assim já vai?

Tenho que ir. Tô ficando gorda.

E o que uma coisa tem a ver com a outra, Tatiana?

Nada, se eu tiver grávida eu te mato.

Deve ser do teu marido.

Palhaço.

E bate a porta.

O livro é um fiasco. Uma vergonha literária, rabiscos de palavras inúteis que não servem nem para matar fome de traça. (Trecho da tal resenha do marido de Tatiana para o livro de Alencar).


Cena inicial. Mesa de bar. Noite. Perto das dez. Dois copos de chope. Dois anos antes. Sentado com um cigarro na mão, Alencar, aspirante a escritor. Encostado com a cabeça na parede, também sentado, marido de Tatiana, jornalista.

(Jornalista)

Estou de férias, Alencar, você é muito meu amigo, mas não dá. Parei com tudo. Vou me aposentar ano que vem, ou daqui a dois anos, no máximo.

(O aspirante a escritor)

Se você não me ajudar, como vou sair dessa? A mulher me deixou sem grana, levou o carro, hipotecou o apartamento e me deixou as dívidas todas, depois disse que só me dá o divorcio se eu lhe pagar uma viagem pro Chile.

(Jornalista)

Azar o seu. Como aceita ainda as sandices da tua mulher? Interna ela, meu irmão. Ou manda a pivetada meter uma surra, virou moda hoje. Garçom, mais uma costelinha e um chope. Quer outro, Alencar?

(O aspirante)

Não, eu quero que você me ajude, com a bendita da mulher eu me entendo. Preciso de seus contatos, de seus conhecimentos. Vai me ajudar com o livro ou não?

(Jornalista)

Pra começar, você não é escritor de nada. Mandar textozinhos, essas merdículas escrevinhadas pra moçada que se diz tua amiga, pras amantes e namoradas achando que abafa é a pior das ciladas que existe.

(O aspirante)

Eu sei. Vou desistir de tudo. Bem que meu avô me disse: vai ser gente, vai trabalhar e ser doutor. Por que eu fui ser escrivão do governo?

(Jornalista)

Só pra ser concursado, pra ter estabilidade, pra pensar que ia pegar uma mamata, uma dinheirama solta das tetas do governo, achando que ia se dar bem, como todo bom ordinário da classe pobre metido a classe média. Você não passa de um medíocre.

(O aspirante)

Eu devia mesmo era ter terminado a faculdade na época que tive tempo. Veja só você aí com cara de bonachão. Escreve bem, escreve pra duas revistas, uma coluna por semana, vive viajando, deve comer mulher adoidado e bebendo num bar de quinta comigo.

(Jornalista)

Viajar é bom. Mulher quase não como nenhuma diferente, só a Safira, uma das estagiárias do jornal. O dinheiro é razoável, dá pra sair vivo. É, estou bem, quem se fodeu foi você, não devia mesmo ter largado a faculdade. Mas não devo falar sobre isso, você nunca quis falar sobre isso.

(O aspirante)

Eu tinha mulher e filho.

(Jornalista)

A velha desculpinha de sempre. Tu já se olhou no espelho, cara, seja realista? Já? Mas se olhou bem, com calma? Olha os teus cabelos brancos, olha as rugas, olha a miséria na tua cara.

(O aspirante)

Você é inspirador. Garçom, a conta.

(Jornalista)

Deixa que eu pago.

O aspirante levanta com um suspiro. O jornalista dá uma baforada com o cigarro. Cinzas no chão. Baratas passeando no lodo da parede da espelunca. Barulho de carros passando e buzinas.

(Jornalista)

Ei, cara, vou te fazer um favor antes de você se matar, até parece que vai morrer. Me entrega os teus originais para o livro na minha casa amanhã. Ainda sabe onde é, não é? Cedo. Se eu tiver dormindo, entrega pra minha empregada.

O aspirante toma um último gole do chope e sai para a rua.

Dois anos depois. Casa do jornalista. Sala de estar. Tatiana faz tranças nos cabelos sentada em uma poltrona. Alencar coça a nuca olhando para os quadros da parede, sentado em uma cadeira de madeira. Silêncio. Tic tac do relógio, plim plim da torneira do banheiro e flap flap flap do ventilador de teto.

Você lembra, foi aqui que a gente se conheceu? Quando eu vim deixar os originais do livro. Você tinha a mesma cara de hoje, mas era menos esnobe, menos mesquinha, mais minha do que nunca.

Deixa de conversa. Você esqueceu que ele pode estar ouvindo ou gravando tudo? Esqueceu que ele desconfia de você?

Você vestida de empregada estava linda. Suada, de touca na cabeça.

Era um estudo para o teatro. Estava varrendo, passando, lavando casa duas vezes por semana, apenas pra sentir o cansaço de uma diarista.

E agora que papel você está estudando?

Ainda não sei se de uma adolescente pirada, drogada, meio porra louca, burrinha, deixada pelos pais e criada pelos avós, ou de uma mulher imatura, metida com dois salafrários.

Êpa, isso aí é vida real.

Acontece às vezes da gente confundir realidade e ficção quando se busca inspiração.

Eu te inspiro alguma coisa?

Safadeza, tagarelice e perdição.

Adorei. Perdição. Você combina com tudo isso também. Te amo, não esquece nunca.

Além de péssimo escritor, péssimo amante e péssimo romântico. Tu és um imprestável. Não te dou uma surra porque hoje só gasto energia com a comemoração de minha aposentadoria. O marido de Tatiana adentra o recinto com sua voz grave de alto-falante. Os dois nem se mexem, ficam se entreolhando como que em combinação.

Vamos, Tatiana, já ajeitou o cabelo?

Já, papi.

Vamos, te manda daqui, Alencar. Já mandei teu prefácio e a resenha pra editora e pro jornal. Isso pra você não querer se matar de novo. E não insista mais em ser coisa alguma que você não pode ser nem imitar.

Depois da leitura da resenha, o aspirante a escritor senta-se de frente à tela de seu computador e digita:

Conto.

Personagem 1: Tatiana, mulher do jornalista

Personagem 2: Alencar, aspirante a escritor.

Personagem 3: O jornalista.

Quem tem medo de jazz


Fato (mas não consumado) é que o jazz é alcunhado de música de intelectual, da elite, esnobe; detratores e desconhecedores à parte, o jazz é a arte da música em sua força maior de criatividade, improviso, alegria, joie de vivre, ora dançante, ora nostálgica, ora apaixonante, nunca indiferente nem dona de verdades ou arcabouços meramente técnicos. Os aficcionados, de cujos sopros, acordes e melodias, retiram momentos diletantes e prazerosos indescritíveis, são aqueles intrometidos, conhecedores, amantes, músicos e doidivanas que sabem um pouco da história, dos temas, das loucuras e da grande invencionice que é uma "tune" desse estilo musical. Apenas ouvindo e sentindo para saber. Música instrumental sempre me agradou, trilhas sonoras de filmes e os temas dançantes das grandes orquestras, que em qualquer baile, volta e meia, desenvolve um bailão em meio ao axé, samba e pagodes oficiais e oficiosos de qualquer festa embutida nesses buffets e cerimoniais da vida. Comecei a me inteirar com os musicais e com o repertório de trilhas sonoras de filmes, como os de Woody Allen e Fellini, apenas para ser sucinto. Adquiri meus primeiros discos, biografias e livros numa tentativa de imergir num mundo que, quer queira ou não, te inebria e enfeitiça a cada audição ou novidade. Existem obviamente diversos estilos dentro do próprio jazz, o que talvez tenha ajudado a produção de alcunhas mal elaboradas ou interpretações vesgas e dissonantes. Cool, free, funky (cuidado, não confundir com o barulho produzido pelos cariocas), dixieland, be bop, hard bop são alguns dos filhotes dessa prole tão criativa e ora bizarra, como assim querem os puristas do eterno jazz das origens, calcados no blues, no soul, no ritmo, na melodia e no impacto das notas tecnicamente perfeitas. Perfeição há no jazz, sim, mas isso não é uma meta, talvez, sim, uma das consequências das mais agradáveis do estilo. Encantando ou não, jovens ou velhos, ricos e pobres, o velho e sempre inovador jazz sempre lançou um olhar voltado à qualidade, ao improviso, como já exposto e na versatilidade de ritmos e superação de convenções. Decantar estilos como a música clássica, flertar com o rock, com o baião, com a salsa, além de muitos outros, não só mostra o seu mimetismo e sincretismo mas seu favorecimento à boa qualidade auditiva e apelo ao encontro de uma sensação sempre diferente e ousada. Para aqueles que não conhecem, ou nunca ouviram, vale lembrar, a título de curiosidade, que as grandes orquestras ainda tocam peças do dixieland, ritmo típico de New Orleans, as quais fizeram e ainda fazem muitos pares dançar e levitar. emoção é o que nao falta. Basta procurar em discos ou faixas de nomes - não serei prolixo -, como Duke Ellington, Dave Brubeck, Charles Mingus, John Coltrane e Miles Davis (estes últimos na foto no auge do be bop, nos 1950-60), somente para citar os ícones. Qualquer peça destes dá uma ideia do que é, o que faz e do que é capaz essa imortal possibilidade e atrevimento musical, o jazz. Deslindem a carranca da mesmice e ousem, procurem, reinventem-se também. Um abraço sincopado a todos, ao som de So what, sucesso desses dois grandes aí do alto, de um dos maiores best sellers, em toda a história da música contemporânea, o Kind of Blue. Então, be cool and jazzeiem-se.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Que nos atirem os primeiros livros


Sim, falamos do fim do ano, que já passou. O que nos resta agora são as expectativas, e enquanto, elas embrionariamente se conjugam com nosso idílico desejo de mudança, falemos, para início de conversa e de sonho, de literatura. Sabemos que não somos um país de leitores e que, embora existam vendas, feiras, promessas e mandingas tutelares e estatais para "fazer" novos leitores, digo, leitor não se faz nem se cria. Leitor ama, incondicional e doidamente ler, nem que seja jornal antigo, bula de remédio, mini-conto e outros apanágios mais requisitados, e se refaz a cada tentativa. Óbvio que estão nos livros o santo graal e a fortuna (entendam destino, haja vista a condição de nosso país, ainda coelheano feticihista em princípio e esnobismo). O fato é que, por uma má índole e má-fé das escolas, em conluio, com um péssimo hábito impositivo dos professores, a literatura é inventada como algo desprazeroso, entediante e soberbo. Para não dizer pernóstico. É certo que temos grandes nomes da literatura romântica e realista, essas as verdadeiras assombrações dos estudantes, que têm que ler, revisar resumos, comprar estudos didáticos e usurpar provas sobre os magnânimos textos sagrados numa atitude apócrifa, mas realista e necessária. Falo isso, pois somos sabedores o quão é terrível para alguém que não traz a arte ou a literatura do berço, começar a se inventar nessa vida teimando com um cabedal de textos de nossos ilustres (mas chatos!) autores românticos, é um exercício sofista e hercúleo, apenas para ser justo. A Moreninha, O Seminarista, Dom Casmurro, Inocência, O Guarani, dentre outros, são livros enfadonhos. Apesar da prosa vanguardista de Machado e da cena trágica do final do livro de Guimarães. Citei tais livros e tais "escolas" literárias, porque assim costuma ser o hábito das escolas, empurrar esses livros a propósito de amor à literatura. Ótimo, e onde ficam os textos mais lidos e mais interessantes de Machado, como os Contos Fluminenses, Histórias Avulsas? E a prosa dos pós-modernos, ou contemporâneos? Sabemos do profissional tarefeiro e cumpridor de regras de nossos docentes, cumpridor de uma leva de burlescas ações e estratégias curriculares, ainda assim, cabe-nos reivindicar algo maior e melhor para o que queremos fazer de nosso país; e a arte merece ser "inventada", "vivida", para além das ONGs, artesãos e bem-intencionados de plantão, com suas tutelas e cosmética da fome e redemocratização da cultura, em outros sentidos, de outros modos. Aqui, à guisa de reminiscência e de incentivo dado a mim, nos áureos (ou plúmbicos?) tempos de ginásio, seguem algumas capas de obras dignas de uma literatura ágil, engajada, versátil, moderna, para assim lançar mão dos termos dos críticos contemporâneos e seus sectários. A coleção Para gostar de ler e seu tom de nostalgia para qualquer um que dela fez uso, fará ou ainda faz. E boa leitura. Traças para que te quero.