segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Das loucuras e dos loucos


Haja vista episódios recém-vivenciados, uma pergunta não me queda silente: Por que os males ou desventuras do mundo psi ainda nos remetem à égide da exclusão? Foucault nos daria uma resposta, mas isso não basta. E hoje conversando com uma amiga, pensei: sim, o mundo precisa de drogas, de estímulo, de pavio para esses comboios parados, da hecatombe, do trespassar, do cruzar o espelho. Não falo das drogas sintéticas, mas dos efeitos, dos caleidoscópios, das portas da percepção, de que tanto falou Aldous Huxley. Ou um soma. Uma droga que nos remonte ao vazio que pensamos preencher com toda a tenra ideia de sermos diferentes e de não nos sonharmos desajustados, no tolo anseio de nos sentirmos aceitos e tacahamente ajustáveis. Modulações, adaptações... Enfim, não padecemos do niilismo do século passado, nem da Náusea sartreana, nem do eterno retorno nietzschiano. Essas são peças da engrenagem a que chamamos vida, de cujas fórmulas, formatações e arestas, tentamos reinventar meios de conduzir esta grande calha de roda (vide Pessoa). E sermos assim desavisadamente o que deveríamos ser: loucos, com toda a verve e toda a condição de loucos e todo o mundo outro do lado de lá da loucura, um discurso tão conhecido nosso e, por isso mesmo, não aceito, porque o novo é marginal, o novo é imoral, o outro é cego, surdo e suas vozes podem até ser ouvidas mas como balbucios num eterno silêncio repleto de razões e obras. A propósito, assistam então: A origem e o Mundo imaginário do Dr. Parnassus, e leiam o Horla de Guy de Maupassant e algo do Dostoievski, nem que seja uma frase. Se quiserem ver algo que o espelho não revela em tintas ou macaquiados, Kafka. Assim vou.


Ou como diria, em paráfrase, o Coringa: Eu sou o catalisador do Caos. Não há ordem no mundo, esse mundinho inventado e cheio de falhas, que querem com todas as políticas e polícias ordenarem.


PS: Sem apologia ao crime, nem às drogas. Mas talvez a ....

domingo, 19 de setembro de 2010

Como fugir sem deixar rastros...

Pegue suas roupas e vista em seus fantasmas
Rogue para que os deuses deles sejam tão inventivos
ou meramente vingativos
E sonhe que respostas ao ignóbil de respostas e relatos
possam confortar almas perdidas como a sua

ou como as suas
ou a sua
na sua cegueira de em vão querer não ter uma.

Após tempestades

Dizem que depois de tempestades vêm as bonanças. Afinal, o que é isso? Algo bom, um estado de estagnação em que o bom e o útil são sinais e respostas para tudo? A tempestade para nossos anseis não é resposta, tampouco adágio de uma canção que nos console. O que deveríamos dizer e sentir, então? E por que tais perguntas necessárias? A tempestade vem, a bonança, a malquerença, a desavença, a errância... O que queria ao dizer isso? Ventos tépidos e lúgubres me envoltam agora, e como se neles acreditasse amizades e creditasse meus débitos de afetos mal-recebidos e mal-pagos, ouso dizer que:

Lemos tudo e continuamos os mesmos
Não queremos pular nem desandar nem romper
Não somos outros
Nem remendamos os poucos em que não acreditamos mais


Que não ousem nos dar amém como resposta...

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Do amor e do fatum


Nietzsche propalou o amor fati, o amor ao destino, o amor pelo que se é. A solidão em que esteve envolvido e nela fundou sua filosofia e princípios de vida é um exemplo mais que cabal e verdadeiro disso. E tampouco isso é uma verdade. A filosofia da solidão deveria ser ensinada, assim como a tanatologia, para que não sofrêssemos "desnecessariamente" e imbuídos de preceitos valorativos e dogmas teológicos que nos paralisam e não nos fazem nós mesmos, apenas produtos de desejos e intentos de tantos outros. Aqueles que acreditam no valor da altruísmo, da compaixão e de outros ismos são mantenedores de um mundo mentiroso, falacioso, inescrupuloso e cheio de veleidades. Até aqui, não nos foi dada a chance de pensarmos por nós mesmos. A escola, a igreja, o casamento, a família, o senso comum, o gregarismo e a epopéia dos rebanhos nos apresentou e nos educou a aceitarmos, obedecermos, fingirmos, baixarmos a cabeças, enfim, sofremos calados e resignados, como se houvesse uma saída transcendente. O amor fati seria a solução? O eterno retorno do mesmo? A imanência? Onde estão os braços que nos afagam? Que nos vangloriam? Nós? Os outros, sempre os outros, a resposta está lá. E o que fazemos de nós nesse enquanto, quando desfeitos em outros que ninguém toca, sente, ou vê? Apenas reflexos de ignorância...

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Digressões mal-digeridas e dirigidas ao léu

O desejo só não basta. É preciso a ruptura. A loucura. A arte nunca é precisa, mas demais necessária. Tal trocadilho não me é sapiente. Ni non so niente, ni sono. Machéee. Upalalá, levitem em seus céus que o inferno é gratuito e não pesa nada. Nem arde, imaginem Fortaleza... Bem, que queria eu aqui. Eivado de silêncios e digressões imprecisas e desnecessárias, daqui pra lá, para aí, para parar e morrer nas desertas vozes de um fantasma. E de fantasmagorias cheios todos, de deuses, de políticos, de patricinhas, de coisinhas inúteis por ter que fazer, de trabalhos repetitivos e enfadonhos e coisificadores para fazer, ser e dele pagar o pão bem-passado, que não foi amassado, mas amassamos,a creditando em uma saída. Ah, hoje estava num berço esplêndido, ontem dominava o mundo e as ideias balouçantes. Hoje, o calor, o marasmo, a digressão prenha de vontade, de potência, de ser, que não é nada disso que estão pensando. Nem eu...

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Encruzilhada


Calma, isto não é um despacho, nem nunca há de ser. Não sou afeito nem feito para isso, apesar dos desafetos... Amigos, todos estamos passando por encruzilhadas e tomadas decisões. Só querer cruzar, não pedimos lá estar. Várias, múltiplas, sempre, lá, no meio, com ou sem pedras, dentre ou pelos espinhos. E o Eric Clapton, que ainda mais me encantou e cativou com sua autobiografia pungente e estonteante (recomendo! lê-se em uma tarde despreocupada), me traz sempre, para apaziguar a sedação da rotina ou apascentar os prados de meus rebanhos em desalinho na estampa da vida, a versão, que eu, mero apreciador (qual, qual, quem sou eu) de sua música e de sua vigorosa versão do blues de Robert Johnson (1911-1938, nesta canção de 1936), ouço e treslouco arrepiado, simplesmente porque, quando o Eric, no Cream (um dos primeiros power trios da história da música contemporânea), reinventou esta música, ele sabia o que estava fazendo, e eu, este ou aquele ali, ainda não sei -sabe- real ou totalmente, tanto que apelo a Crossroads para me ajudar...
(Créditos da foto: Paris ao crepúsculo, Place de la Concorde, dezembro de 2008)

CROSSROADS
by Robert Johnson

I went down to the crossroads, fell down on my knees.
I went down to the crossroads, fell down on my knees.
Asked the Lord above for mercy, "Save me if you please."

I went down to the crossroads, tried to flag a ride.
I went down to the crossroads, tried to flag a ride.
Nobody seemed to know me, everybody passed me by.

I'm going down to Rosedale, take my rider by my side.
I'm going down to Rosedale, take my rider by my side.
You can still barrelhouse, baby, on the riverside.

You can run, you can run, tell my friend-boy Willie Brown.
You can run, you can run, tell my friend-boy Willie Brown.
And I'm standing at the crossroads, believe I'm sinking down.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O COMEÇO DOS TEMPOS DO SEM FIM










Em algum lugar ela deve domar meus mundos caleidoscópios na ampulheta em penúria. Não, em algum lugar ela deve vestir-se de mim em imponderáveis detalhes que eu mesmo esqueço. De algum lugar ela virá sem meios termos ou meias-vidas. Não. Ela deve lembrar de alguma coisa em mim que falamos sem delongas, perdida e transida no silêncio e nas tranças de seus cabelos úmidos, deixará eu repousar e dirá que possamos nos esquecer. Não, não, em algum lugar perdido e sem mapa dessa cidade louca, ela deve escrever coisas e rotas para que eu siga a fim de me encontrar em meu deserto. Não, ela se lembra de mim no espelho enquanto tomo banho e retiro de seu corpo alguma suave memória dos dias que teremos. Ela sorri e assim vagamos em meio aos seus lancinantes sorrisos. Ela devora meus textos da gaveta e pede para escrevê-los. Quer viajar. E viaja em mim. Só assim somos um e, dela, perco-me na tentativa de ser. De ser um objeto sem averiguação. Ela pede para viajar. Não, amor, não tenho passaporte, nem tostão nenhum que lhe compre a alegria ou as fugas. Ela me pede perdão por eu ser tão assim, assim, levemente, sugando meus gestos em olhares dispersos. No quadro, ela respira nossa existência e me dá uma trégua em meu mundo, quando levito amparado pelo seu. Ela gravita e engravida. Seus sonhos são tão amplos e esquisitos, que caibo neles. Prepara o jantar, toma uma ducha fria. Toma a mão suja de meios, sem anseios e ternura. Apenas toma a mão e a leva em seu patético desejo de se transformar em coisa que eu permita desejar. Ela diz que se apaixona por falta de ternura calculada. Ela me pede mais um pouco de maus-tratos e rimos dessa piada, sadicamente. Os dentes me mordem do céu sem boca ao estômago sem vulcões. Ela, perdida na cidade de meus encantos idílicos e me encontra em uma idiossincrasia que soletra à meia-noite. Ah, você sabe escrever, então, leia-me. Não, não, assim, ela me poupa de ser mais um e silente me destrincha e me revolve ao ser humano metido a ser humano que não se mete a nada, e me mata de feliz concórdia por saber demais e entender. Toca meus cabelos. Toca meus ombros e levanta o mundo que não mais se sustenta em palavras ou pilhas de máscaras. Então, aí, dentro, no grito, na saliva, na gota de suor deslizando, ela me atrai e resolve seguir seu destino. Tomamos o vinho, ela sorri me embriagando. A trança se desfez e milhões de cores e trajetos se acendem. Diante dos cacos e rompidos exércitos sem nenhuma ordem me evita. E sei que ela me salva, e ela me salvará, já que realmente não posso fazê-lo. Ouça a cantiga, a dissonância, as horas passando, os olhos cerrando sem premência do acordar. E dormimos juntos como ostras na praia, e como pérola, resolvo ter algum valor para sua análise desmedida e descompromissada. Ela sabe. Ela resiste. Ela levita e gravita, grávida de todo o entendimento. Ela se fecha, e nas ostras reproduzimos nossa fome de ser gente. Para que, ela pergunta abrindo bocas, volumes e montes. Subimos, subimos, desaparecemos, resvalando. Vamos viajar, implora, grunhindo. Ela pede mais uma vez, e suas lágrimas são as mesmas que um dia quis derramar. Não, ela pede que eu enxugue meu corpo e que vamos nos mudar. Seu inquilino sorrateiro e pela metade, ela me suga. Hoje, acordei de sonhos atrevidos e minha insanidade não me dá conta. Corre, corremos, sem correias ou urgências, apenas espasmos agudos e sem brandir bandeiras, lemas ou interesses contratuais. Há quanto tempo, em quantos detalhes, em quantas insônias, ressacas e sedes estamos aqui. E sumimos um do outro para nos querermos, desejarmos, sumirmos de novo e em vão nos gritamos ante o mundo que nos ignora. Mais a mim que a ela, que dá sentido a tudo. Entre o abissal desencontro e metas inatingíveis, me dá asas e socorre quando do salto em precipícios bem elaborados. Sucumbindo vamos derretendo dentro dos corpos. Mastigo-a com gana, coma avidez, como a última e prima coisa. E ela renasce com braços, pernas, ancas, olhos, boca, fios de cabelos esquecidos pelo chão que se expande. Ontem, não acordaríamos cedo mesmo, amor, então, vamos viajar. Ela pede, não, ela roga aos meus deuses. Há mais anjos caídos em mim do que imagina. Eu sei, por isso vim te exorcizar de mim. Seremos o original pecado, a lei. Um novo mundo redescoberto e nunca escondido entre transações e desvario. Teu mundo, meu mundo. Vamos viajar, amor, dê-me a mão. Teu passaporte, meu corpo, nosso corpo, nossa fusão, nossa volátil esperança de milionésimos de segundos e amparados pelo vento dos anos-luz que nos imploram por um retorno não-eterno. Vem, amor, dissipa, destrói, inventa, nasce em mim. Grávidos e gestando sem mais nenhuma dúvida, fugimos da cidade, do início, do fim, dos meios e dos sentidos. Em algum lugar, ela me reitera de que tudo isso não passa de mais coisas para serem metidas em gavetas, espúrias criaturas de um bizarro mundo quadrado. Circulamos, desabamos, num big bang explodindo entre dínamos, sem força, sem fogo, sem água, sem metafísica. Só aqui, bem aqui, aqui mesmo, nesse mesmo lugar, onde ela me deixa e me vem, onde o pacto se refaz. Aqui, onde ela me escreve em algum lugar onde ela possa repousar e dizer somente que tudo descerá novamente pela ampulheta. Como grão voltando e intempestivamente ecoando desertos juntos, mãos e não mais palavras. Como era aqui antes de mim, ela indaga sem me exibir vozes. Apenas eu, respondo com sua boca e dormimos o sono de seus olhos. Letra por letra vai se repetindo, reconstruindo, dizendo, sendo. Ela, diz. Tu, digo. Em algum lugar, nós fazemos a vitória e a história do mundo apenas habitado por nós. Em algum lugar.